Mãe brava

A LEI DA PALMADA – LEI Nº 13.010, FOI CRIADA EM 2014 com a ideia de que toda criança ou adolescente seja educada sem o uso de punições físicas, mesmo que sejam de menor intensidade. 

 

Mas será que ela foi alarmista? Esse debate tem sido levantado por um deputado do PSL que vem pedindo a revisão da lei para que a palmada leve e que com pouca dor não seja igualada a grande castigos físicos. Esse é um tema para grandes debates e confusões, então para não aparecer aqui somente com a minha opinião, trouxe comigo alguns artigos científicos e vou colocar como em todos os vídeos desta série, a lista completa com links na descrição para você ler e tirar suas próprias conclusões.

 

Gostaria de saber se você tomou palmada, apanhou, ou ficou de castigo, e como você se sentia quando isso acontecia? O que passava pela sua cabeça?

 

Primeiro eu quero te apresentar um trecho da lei, porque eu acho que poucos de vocês realmente leram a lei, para podermos começar a pensar sobre ela.

 

“Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis”.

 

Ou seja, a lei não contempla só agressões físicas como as palmadas, como também fala de humilhações, ridicularizações e ameaças, ou seja, sabe aquela foto no Facebook da criança com plaquinha da vergonha? É crime ofender seu filho e ridicularizar também.

 

Para minha surpresa, quanto mais eu lia sobre o assunto, mais eu me assustava cada vez que lia sobre o mesmo fato, como surgiram os castigos físicos na nossa sociedade. No livro “Violência de pais contra filhos: procuram-se vítimas” (São Paulo: Cortez, 1988), Viviane Nogueira de Azevedo Guerra diz que: “os índios do Brasil nunca batem nos filhos por nenhuma coisa […] não tem pai que açoite o filho e falar alto e de forma ríspida a criança sente muito mais do que lhe bater”.

 

“Já os padres, da Companhia de Jesus em 1549, costumavam punir com palmatórias e tronco os catequizandos que faltavam à escola jesuítica. Para eles, o carinho, os vícios e pecados deveriam ser combatidos da mesma forma, com açoites e castigos, com o objetivo ensinar às crianças que a obediência aos pais era a única forma de escapar da punição divina. De tão indignados em relação às agressões, muitos indígenas abandonaram os estudos e a doutrina.”

 

No artigo sobre o uso de palmadas e surras como prática educativa, Lidia Natalia Dobrianskyj Weber, Ana Paula Viezzer e Olivia Justen Brandenburg da Universidade Federal do Paraná, destacam um trecho da bíblia com esta orientação:

“Não poupes ao menino a correção: se tu o castigarei com a vara, ele não morrerá; castigando-o com a vara salvarás sua vida da morada dos mortos” (Bíblia Sagrada, Provérbios 23: 13-14). Este, entre outros provérbios bíblicos, mostra que as indicações para o uso de punição

corporal como método disciplinar remontam há milênios.” 

 

Foi a religião que implantou e disseminou na cultura brasileira agredir crianças indefesas. E isso não é um ataque à moral, aos bons costumes, à educação tradicional ou a religião, esse é um fato histórico e documentado que está relatado em praticamente todos os artigos relacionados a esse tema.

 

Nesse mesmo estudo eles relatam diversos estudos que relatam os benefícios da palmada. “Tem certa razão em afirmar que a punição corporal traz efeitos positivos pelo fato de ela ser imediata, ou seja, a criança pára de emitir o comportamento inadequado. Este “efeito positivo” traz benefício para os pais, ou seja, a obediência imediata da criança“ (…) mas ressalta que “ainda defende que a punição corporal pode ser eficaz no instante em que é aplicada, mas ela traz muitos prejuízos a longo prazo, não somente para o indivíduo como também para os outros com quem convive”(…) “A punição enfoca o erro e não ensina o certo; então, tal comportamento pode deixar de ser emitido por algum tempo, mas não necessariamente há a aprendizagem de qual deve ser o comportamento adequado”.

Menino solitário

Um apontamento importante deste artigo, o qual eu concordo em gênero número e grau, e que por sinal eu falo no vídeo sobre como educar filhos emocionalmente saudáveis, é de que: “Para mudar as atitudes dos pais é preciso entender o que os leva a baterem em seus filhos. Em verdade, a punição corporal é utilizada principalmente pela produção de um efeito imediato, mas também pela falta de conhecimento dos pais sobre as fases do desenvolvimento infantil, sobre outras estratégias educativas e sobre os malefícios da educação coercitiva. A falta de conhecimento dos pais pode produzir sentimentos de incompetência e irritação por não saber como se

comportar diante do filho. A pesquisa de Graziano e Namastê (1990) mostra que 90,7% dos sujeitos relataram que seus pais mostraram expressões de irritação quando bateram, e Cornet (1997) afirma que os pais descontam nos filhos suas irritações presentes ou mesmo passadas (país que apanharam na infância) e tornam a agressividade um círculo vicioso. Tendo em vista que as emoções alteram a probabilidade de ocorrência de comportamentos públicos (Skinner, 1953/1976), compreende-se que quando os pais estão irritados e nervosos, há maior probabilidade de eles baterem em um nível de violência maior apenas por um pequeno comportamento inadequado da criança. Neste caso, a punição corporal deixa de ter um caráter educativo para transformar-se realmente em falta de autocontrole dos pais e levar à agressão.”

 

Outro erro comum na tentativa de educar as crianças é desconhecer o desenvolvimento delas, como explica Sue Gerhardt no livro “Porque o amor é importante” que por sinal eu indico comprar ler e reler, dar de presente, ela diz: “Há pais que batem em seu filho na vã esperança de que ele irá parar de chorar ou comer a papinha de cenoura pastosa que há meia hora eles tentam fazer a criança terminar. Mas não é bom tentar “disciplinar” um bebê ou esperar que ele controle o seu comportamento, uma vez que a capacidade do cérebro de fazê-lo ainda não existe. Um bebê não é capaz de considerar cuidadosamente a frustração de sua mãe e decidi comer para deixá-la feliz. Ao nascimento, suas capacidades sociais são majoritariamente potenciais, não reais. O que precisa ser escrito em letras garrafais é que o córtex orbitofrontal, que representa grande parte do que é ser humano, desenvolve-se quase inteiramente no período pós natal. Essa parte do cérebro se desenvolve após o nascimento e não começa a amadurecer até a primeira infância.” A capacidade de controlar melhor suas emoções e impulsos só irá terminar seu desenvolvimento perto dos 25 anos, por isso muitos adolescentes têm ainda uma gigante dificuldade em obedecer cegamente. O que pra mim ninguém deveria ser obrigado a fazer, mas o texto não é sobre isso.

 

Ela continua dizendo que: “Infelizmente, sem a experiência social individualizada adequada com um adulto afetuoso, é improvável que o córtex orbitofrontal do bebê se desenvolva bem. Encontrou-se que seu volume é bem menor quando seus primeiros relacionamentos são precários, especialmente quando as crianças sofrem maus-tratos emocionais ou físicos ou são negligenciadas. Primeiros relacionamentos estressantes também dificultam o estabelecimento de vias neurais importante entre a amígdala e o córtex-pré frontal“. Essa má conexão está muito relacionada com a depressão e a ansiedade.

 

“Essas experiências vêm acompanhadas de críticas excessivas, humilhações e depreciações, é mais provável que a criança tenha uma opinião e um valor de si coerentes com as vivências negativas. Sentir-se diminuído e desencorajado quanto à competência pessoal também fere de forma profunda e constante as crianças e os adolescentes. Ser chamado de estúpido pode deixar marcas que são levadas para toda a vida, especialmente por jovens com baixa autoestima, que valorizam e dependem muito da opinião alheia.” Abuso Psicológico e Desenvolvimento Infantil – Simone Gonçalves de Assis, Joviana Quintes Avanci.

 

“A violência psicológica ocorre quando os adultos sistematicamente depreciam as crianças, bloqueiam seus esforços de auto-estima e as ameaçam de abandono e crueldade. Essa forma de relacionamento, também difícil de ser quantificada, provoca grandes prejuízos à formação da identidade e da subjetividade, gerando pessoas medrosas ou agressivas e que, dificilmente, aportaram à sociedade todo o potencial que poderiam desenvolver. Essa forma de abuso passa pela forma cultural com que pais e adultos concebem as crianças e os adolescentes, considerando-os sua posse exclusiva e acreditando que humilhá-los é a melhor forma de educar.” Contextualização do debate sobre violência contra crianças e adolescentes – Maria Cecília de Souza Minayo.

 

Outro comportamento muito repetido pelos pais é “o não-reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direito também faz parte dos registros históricos. Está assinalado na Bíblia, na historiografia antiga, na Idade Média e ocorre até nos dias atuais. O mito que cerca o tratamento dos meninos e meninas como domínio dos pais e dos adultos se funda no patriarcalismo, no pátrio poder e na tese de que a educação “com sangue” (…) na cabeça de muitos brasileiros, talvez até da maioria, os pais continuam tendo poder de vida e morte sobre os filhos; crêem que a melhor educação só se consegue com punição e humilhação; e persiste a idéia de que é necessária a violência física para conter a desobediência e a rebeldia dos jovens e das crianças.”  Violência contra Crianças e Adolescentes: Questão Histórica, Social e de Saúde Rachel Niskier Sanchez, Maria Cecília de Souza Minayo.

 

Já vou responder aqui as pessoas que podem estar dizendo “mas só uma palmada não tem problema”, “eu apanhei e não tenho nenhum trauma” e para isso novamente vou citar o incrível artigo “O uso de palmadas e surras como prática educativa” Lidia Natalia Dobrianskyj Weber, Ana Paula Viezzer, Olivia Justen Brandenburg, Universidade Federal do Paraná:

 

“O discurso utilizado pelos genitores na defesa da palmada demonstra ignorância (no sentido de falta de conhecimento), já que acreditam que esse ato não causa grandes danos aos filhos e desconhecem que a mesma é considerada violência. A Cultura implantada em sua mente de que os castigos corporais são necessários e eficientes no controle de comportamento, não permitem que a verdadeira face da palmada desabroche.” (…) “A palmada, entendida como violência doméstica é uma realidade que invade a convivência das famílias. Mascarada como uma simples forma de correção de comportamento, em que não há nenhum prejuízo para a criança, a palmada coabita nesse meio. Porém, o que está posto não condiz com essa afirmação. Essa atitude é apenas o começo de um contínuo de agressão” A PALMADA NO PROCESSO DE EDUCAÇÃO FAMILIAR. MEDIDA EDUCATIVA OU ATO DE VIOLÊNCIA? Bárbara Teixeira Souza de Jesus, Universidade Federal de Sergipe.

Menina chateada

“É claro que a punição corporal como prática educativa não é uma variável isolada, pois ela ocorre em um contexto que inclui outras práticas e diferentes estilos parentais. Se os pais forem muito competentes e equilibrados em níveis de exigência e responsividade, uma palmada ocasional não causa um dano terrível, de acordo com Baumrind (2001). Então, se os pais são muito competentes, é preciso fazer uma pergunta retórica: por que usar as palmadas? Disciplina não é um sinônimo para punição e muito menos para punição corporal. Disciplinar é ajudar uma criança a desenvolver seu autocontrole, estabelecer limites, ensinar comportamentos adequados e corrigir os inadequados. Disciplinar também envolve encorajar a criança, ajudá-la a desenvolver a sua auto-estima e sua autonomia, ou seja, prepará-la para enfrentar o mundo sem que precise emitir comportamentos simplesmente para evitar as punições e aprender que a coerção é uma solução inaceitável para a resolução de problemas. A questão da punição, como estratégia disciplinar, ultrapassa o conhecimento da ciência e chega à ética; é preciso entender “quando e por que os pais escolhem a punição como uma tática de socialização” (Parke, 2002, p. 600) e que direito temos para infringir dor a uma criança se há tantas outras possibilidades e outros métodos.”

 

Uma confusão comum é quanto ao trauma de uma simples palmada, que não deixa nem uma marca e que muitos levaram e não ficaram com consequências. A questão é que o trauma é constituído na subjetividade e cada um tem a sua, dessa forma irmãos gêmeos podem ter passado pela mesma educação por fatos teoricamente iguais e reagirem de formas completamente diferentes. O que determina um trauma não é a força aplicada ou a frequência em que ele acontece. É como ele ficou marcado no inconsciente, como essa criança ou adolescente recebeu esse tapa, o quanto ela se sentiu humilhada e rejeitada. Por isso, ofensas e ridicularizações com a criança também podem gerar consequências futuras, já que podem acabar com a construção da autoestima e da personalidade.

 

Pra mim, a questão central deste discussão é: existem outras formas de educar uma criança sem que isso gere traumas e transtornos mentais? SIM. Essa forma gera crianças fracas, mimadas ou que são despreparadas para a vida? NÃO. Então não vejo nenhuma, absolutamente nenhuma justificativa para que isso seja defendido. 

 

As crianças precisam saber que podem confiar em seus pais, que eles aguentam tudo por eles e o que vier deles, que podem ser aceitos e amados por quem eles são. Crianças não deveriam sentir que podem perder seus pais pelos seus comportamentos, que eles a rejeitam ou que eles atrapalham. Crescer num ambiente acolhedor, de muito amor e de disponibilidade emocional dos pais dá a essa criança a possibilidade de desenvolver uma boa saúde mental.

 

Outra coisa que gostaria muito de sugerir é a leitura do nosso querido ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) que tenho certeza absoluta que o deputado nunca se deu ao trabalho de ler. Porque várias das coisas que estão no seu projeto como inovações já são contempladas de maneiras melhores nele.

Lei 130110

Lei 8069

Artigo: Violência doméstica contra crianças

E-book: Violência faz mal à saúde

Artigo: O uso de palmadas e surras como prática educativa

Artigo: A transição da palmada

Artigo: Violência psicológica

Artigo: A palmada no processo de educação familiar

Psicóloga em Mogi Mirim que atua para te ajudar a melhorar sua saúde mental, autoestima e qualidade de vida.

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