Coringa e saúde mental.

Está rolando pela internet algumas críticas de que o filme Coringa estimularia a violência nas pessoas. Por isso decidi escrever esse veredito final.

Sempre que existe um massacre em alguma escola escolhem algo como o responsável. Vou separar essa fala em 3 momentos: contrário, favorável e como eu vejo e soluções para isso. Então resolvi mostrar pra vocês alguns estudos sobre isso. Esse texto vai ter muitos dados científicos, algo que não faço aqui, costumo fazer no stories do Instagram, no Blog ou até no podcast, então se gostarem, comentem aqui se querem ver os estudos comentados. Todos os estudos estarão linkados no final do post.

Contrário

Vou começar com um exemplo de suicídio. O que poderia colaborar com isso é o “Efeito Werther”. Em 1774 foi lançado um romance chamado “Os sofrimentos do Jovem Werther”, que conta a história de um jovem que, após uma desilusão amorosa, cometeu suicídio. Os detalhes da obra geraram impacto em diversos países em que o mesmo método da morte e, muitas vezes, até a roupa do personagem eram copiadas por outros jovens que tiraram a própria vida, o chamado “Efeito Werther”. A venda do livro foi proibida em várias partes da Europa, a OMS publicou, em 2000, o documento “Preventing suicide: A resource for media professionals”, um guia para abordar o assunto em todo o mundo, temendo que isso pudesse acontecer novamente. 

Podemos ver o aumento de suicídios, por exemplo, 13 Reasons Why está associado a um aumento de 28,9% na taxa de suicídio entre adolescentes de 10 a 17 anos nos Estados Unidos.

Sobre jogos violentos, o texto mais completo que achei é de 2008, ele resume vários outros artigos: “Fatores mediadores e moderadores dos efeitos dos jogos eletrônicos violentos na agressão interpessoal”, e foi publicado na revista portuguesa de pedagogia pela Patrícia Arriaga, Maria Benedicta e Francisco Esteves. Irei focar nesse último mas existem outros que separei pra vocês.

Pesquisa os efeitos a longo prazo da exposição repetida e contínua à violência, jogos violentos podem fomentar a aprendizagem, o ensaio e o reforço de estruturas de conhecimento associadas à agressão em comparação com jogos não violentos. Houve maior tendência para  esperar que os outros reagissem a potenciais conflitos com agressão e para interpretar as atitudes dos outros como mais hostis. Também foi verificado a perda da sensibilidade do indivíduo à violência, ou seja, eles não se assustavam mais com a violência minutos após a exposição à violência dos jogos. Além disso, manifestaram maior propensão para a  aceitação da agressão quando se encontram perante situações de provocação.  

Na interação de um jogo com a violência, constitui a única via possível para vencer,  sendo, por isso, intrinsecamente justificável, pode ocorrer uma dificuldade no entendimento entre o que é justificável ou não.  A este propósito, devemos atender que a investigação sugere que há uma maior tendência para a agressão quando a violência é considerada justificada.

A apresentação das consequências dos atos agressivos tem mostrado efeitos relevantes na aprendizagem e na facilitação da agressão por parte do espectador. O comportamento agressivo das personagens é seguido de recompensas, há uma maior tendência para a sua aprendizagem em espectadores de todas as idades.

A literatura indica ainda, que os indivíduos mais agressivos são os que manifestam maior interesse por este tipo de conteúdo, o que, na perspectiva de alguns autores, poderá estar relacionado com a procura de  justificação da sua própria agressividade. Refere-se ainda que a exposição a estes conteúdos pode constituir uma oportunidade para alguns indivíduos manifestarem os seus desejos de agredir terceiros, sem sofrerem as consequências desses atos que um desejo pessoal de violação das normas sociais pode estar relacionado com o prazer que a pessoa retira de assistir a temas onde essas normas são violadas por outros. Pelo fato de muitos jovens verem restringido o seu acesso a programas  ou jogos violentos, foi ainda colocada a hipótese do “fruto proibido”.

A ideia subjacente é a de que a proibição torna os jogos violentos apelativos, por constituir um desafio às restrições sociais, ou seja, o mesmo texto não sugere proibição.

A dimensão média do efeito geral do uso de jogos violentos na facilitação da agressão foi significativa, embora muito reduzida (r = 0,15) e inferior à encontrada em publicações sobre os efeitos da violência filmada. Foram ligeiramente superiores e permitiram aos autores concluir que a participação em jogos violentos está associada ao estado de hostilidade   (r =0,18), à ativação de pensamentos agressivos (r = 0,27), à manifestação de comportamentos agressivos (r = 0,19).

Ou seja é real que jogos de violência aumentem os comportamentos agressivos, mas em números bem pequenos.

Coringa é violento? Veredito final! Soldados numa guerra.

Favorável

Escolhi também um texto para focar minha fala e novamente terão muitos outros artigos no site e na descrição.

O texto se chama “BRINCADEIRAS LÚDICO-AGRESSIVAS: TENSÕES E POSSIBILIDADES NO COTIDIANO NA EDUCAÇÃO INFANTIL” escrito pela Raquel Firmino Magalhães Barbosa, Rodrigo Lema Del Rio Martins, André da Silva Mello na Revista de Educação Física da UFRGS.

O estudo apontou que as brincadeiras agressivas são lúdicas em suas práticas corporais. Percebemos um fortalecimento de alianças entre os pares e de espaços para criações e válvulas de escape. É no brincar que as crianças põem em prática toda a sua subjetividade, suas experiências vivenciadas em sua realidade, explorando-as e (re)construindo-as durante a brincadeira. 

Substitua o brincar por qualquer uma dessas atividades de entretenimento como jogos e filmes, eles geram resultados diferentes mais aproximados. Assim, quando as crianças brincam com a sua própria agressividade, talvez a utilizem como uma saída para lidar com a sua própria realidade e/ou vivenciar um contexto de faz de conta, assim, o brincar com comportamentos agressivos é uma forma de evitar essa atitude na realidade.

Dessa forma, a agressividade não repercute de forma negativa, levando as crianças a brigar, a entrar em um contexto de não jogo e a causar sofrimento ao colega. Isso se confronta com a visão tradicional de que a agressividade deve ser coibida a todo instante.

Falando mais amplamente sobre isso, é melhor que a criança/ adolescente ou adulto possa usar da sublimação e do lúdico do que partir para a agressão física em si. Estudos demonstram a importância de elaborar a agressividade em algo que não cause danos como bater no joão-bobo, luta de armas, aula de lutas marciais, jogos de videogame.

Porque a raiva precisa ser exposta, é um dos sentimentos mais básicos, é um delírio acreditar que ela pode ser 100% controlada. O adulto mais controlado do mundo vê violência em algum jornal, e a expressa gritando, fechando a mão, cerrando os dentes, batendo na mesa.

Coringa é violento? Veredito final! Arlequina e saúde mental.

Agora o que devemos fazer com a violência ?

Um apontamento importante para a discussão é o texto chamado “Jogos virtuais violentos e influências no psiquismo humano”, escrito por Fabrício Daniel de Napoli e Francielle Gonzalez Correia Gomes pela Revista UNINGÁ REVIEW, 2017.

Ele aponta que o fato de jogar com frequência jogos com conteúdo violento, não significa que vai produzir de modo automático um indivíduo tranquilo, ou um com motivação para violência. Porém no momento em que tais vivências começarem a se inscrever na vida do sujeito como sendo dados significativos. Poderão vir a funcionar como reforçadoras de marcas que foram gravadas nele ao decorrer da formação de sua personalidade e que se encontram em frequente movimento. Ou seja, com possibilidades de ressignificações e modificações imprevisíveis.

A família vem a ser o primeiro lugar de socialização da criança e é ela seu primeiro centro de formação. Onde é adquirido o conhecimento para a interiorização de discernimento entre o certo e errado, o sim e não, sobre o que se permite e o que não se permite. A partir daí vai adquirindo cada vez mais autocontrole frente a impulsos, assim é possível dizer que os jogos virtuais com sua ampla variedade de situações podem contribuir de forma importante para o desenvolvimento da criança.

Vamos pensar em todo esse alvoroço causado pelo filme Coringa ou depois de qualquer atentado em massa. As pessoas que olham o mal que pode causar o filme, seriado, jogo ou brincadeira de violência, não estão errados. Como vimos existem muitos resultados que comprovam.

Mas, somente com esse dado parece que a solução seria impedir o filme, jogos, brincadeiras violentas e até jornais de noticiar. Isso seria possível NÃO porque faz parte da realidade.

A questão é que esse pensamento está equivocado, por ser muito simplista e distante da realidade. Como vimos depois, a raiva é um sentimento básico e desta forma é importante que possa ser expressa de alguma forma.

Você tem uma criança e um adolescente e a responsabilidade de saber o que ele acessa. Regular o horário é sua, eles não têm a capacidade de se autorregular. Seria o equilíbrio entre poder lidar com a realidade e com a raiva, com a violência e não ficar imerso totalmente.

Outro fator importante colocado nos estudos que não apresentei acima, é o quanto toda a estrutura de vida da criança influencia nos números. Quanto ela vive uma situação de violência na comunidade ou entre os pais. Isso aumenta muito a escolha dela por este tipo de entretenimento. Além de proporcionar que ela não tenha uma estrutura psicológica para lidar com a raiva ou que tenha estabilidade mental.

Como vimos no estudo que mostrei, mesmo o aumento existindo, ele é pequeno porque está condicionado à saúde mental da pessoa. Todas essas mídias não têm poder de despertar a violência se a estrutura psicológica foi bem feita.

Ou seja, novamente reforçando a responsabilidade dos pais neste caso de perceberem o quão saudável está o desenvolvimento da criança/adolescente.

Muitos pais que reclamam de violência no entretenimento mas não têm vergonha nenhuma de falar que bate no filho, que chama de burro ou imprestável. Qual o sentido dessa humilhação? Temos a comprovação científica, sem nenhuma dúvida do quanto traz malefícios gigantescos e que essa sim pode gerar um adulto violento.

Além disso, é possível se desenvolver sem ser agredido pelos pais, ou ter sofrido bullying. E pior, vão aparecer pessoas aqui comentando dos benefícios de se educar pela violência. 

Mas é impossível não ter contato com a violência do mundo. Pode não jogar videogame em casa mas vai jogar no amigo, vai ver nos jornais, nas páginas da internet, na rua.

Pra mim a conclusão deste texto é que precisamos nos responsabilizar, estarmos atentos mas procurar o meio-termo como tudo na vida.

Escolher um alvo como responsável em vez de assumir que somos uma sociedade que não sabe lidar com os sentimentos, é terceirizar a responsabilidade. Não é preciso olhar para dentro de casa e ter que pensar. Não assumir que desenvolvemos traumas na infância, a fase mais importante para a estruturação psicológica. 

Então sim, vocês estão certos, o jogo pode ser um estímulo, um gatilho sim pode. Ele vai deixar de existir? NÃO. Outras coisas no universo também são estímulos SIM. Pessoas podem jogar e não terem mudanças de comportamento SIM. 

O que deveríamos estar discutindo é como essa criança, esse adolescente adoeceu para um gatilho ser o suficiente para ele cometer algo tão horrível?

Vale ressaltar que a maioria desses estudos é americano e lá temos um componente muito diferente no Brasil. A liberação das armas, um componente largamente conhecido como facilitador do suicídio e crimes de violência como grande fator de risco.

 

Todas as referências:

https://www.jaacap.org/article/S0890-8567(19)30288-6/pdf

https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0890856719302886

https://impactum-journals.uc.pt/rppedagogia/article/view/1244/692

https://repositorio.iscte-iul.pt/bitstream/10071/3031/1/2007_Arriaga_Esteves_Monteiro_DessensibilizacaoEmocional.pdf

http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.491.1692&rep=rep1&type=pdf

https://www.semanticscholar.org/paper/Television-and-video-game-violence%3A-age-differences-Meyers/63ad4f3771faa5ae6bb9b8e4a678ddddd1aa36a8

http://www.craiganderson.org/wp-content/uploads/caa/abstracts/2000-2004/03GA.pdf

https://pdfs.semanticscholar.org/84b4/e2886d950cfe778729d26226cda1cbf10f94.pdf

https://www.redalyc.org/pdf/1153/115350608012.pdf

https://www.ufrgs.br/quemquerbrincar/wp-content/uploads/2016/06/jogo-armas-de-brinquedo-com-morte.pdf

https://revistas.ufpr.br/psicologia/article/view/3187/2550

https://revistas.ufpr.br/psicologia/article/view/3243

http://revista.uninga.br/index.php/uningareviews/article/view/1908/1505

 

 

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2 respostas a “Coringa: Filmes, séries e jogos estimulam a violência? Veredito final!”

  • Olá Camila! Tive vontade de entrar em contato com você para te parabenizar a espontaneidade e dedicação no podcast CONTANDO CASOS.
    Sou psicanalista winnicottiana e acabei te achando pq fui fuçar …kkkkk….
    Sou de outra geração…. já tenho meus 63!!!
    estou com a ideia de contar casos só de WINNICOTT…ou um podcast só de pérolas winnicottianas … bem teórico…
    vamos ver se consigo deixar de ser tão” certinha” e aprendo com sua espontaneidade ! Tenho curtido seus comentários e gosto de como articula com rapidez seus conhecimentos e especialmente comunica conceitos psicanalíticos com tanta clareza para leigos. Parabéns!

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