Você foi enganado, eu sei que a embalagem era bonita. Te disseram que quanto mais focado você fosse, mais longe você iria, mas você conseguiria na vida? Que sair da zona de conforto é uma obrigação, mas parece que não é assim para ninguém.
Eu já acreditei na meritocracia, que se eu estudasse muito, com certeza passaria no vestibular e vi pessoas que eu considerava menos inteligentes passando antes de mim. Vi pessoas se tornando bem sucedidas quase que somente pela sorte. Assisti a pacientes que dedicaram a vida toda ao trabalho não conquistarem praticamente nada e ainda serem passados para trás.
É comum vermos situações que não julgamos como justas. Mas de alguma forma, você continua a acreditar na meritocracia, precisa acreditar para justificar o tanto que se dedica. Você acredita nela porque tem a necessidade de acreditar que está controlando seu futuro, delirando que ele seria justo e te obedeceria.
Vivemos uma realidade de adultos focada no trabalho e a vida pessoal é uma confusão, não casaram, ou acumulam divórcios, não deram atenção aos filhos, nem conseguem ter amigos direito ou mesmo aproveitar a vida.
Então te apresento o dilema do foco:
O foco na vida, como em uma câmera, mira em um objeto e deixa o resto sombreado, desfocado que você até consegue ver, mas não é para dar sua atenção para ele.
É exatamente como aquele número de circo em que a pessoa precisa equilibrar vários pratos ao mesmo tempo girando. No mundo temos um milhão de atividades para realizar. Quando aquilo sai do seu foco é realmente muito difícil dar atenção, tem só 24 horas e um milhão de coisas para se preocupar.
Quando você se dedica 100% para algo, seja seu trabalho, maternidade, ou até a um só projeto, outras funções ficam com zero da sua atenção. Durante o tempo em que escrevi o curso, eu deixei cair o pratinho do meu autocuidado, estava sem tempo e por isso abandonei todas as minhas atividades físicas e até a alimentação. Uma escolha nem um pouco saudável.
Quiseram te dizer que é importante saber onde chegar, qual caminho você deve seguir, mas não que você precisasse seguir ele cegamente. É útil para empresas você abandonar sua vida pessoal e se matar de trabalhar, é bom para o cursinho que passar no vestibular seja seu único foco. Mas nada disso é bom para você.
Sem foco sem objetivo?
Eu acredito que ter um sonho, ter ambição na vida, querer chegar mais longe é super importante. Mas acredito que o desenvolvimento tem que ser contínuo em todas as áreas da sua vida. Como se você igualasse todas as partes da equação. Mesmo que eu queira um bolo de chocolate, eu não posso só aumentar a medida do chocolate e esquecer de aumentar os outros ingredientes também.
Sua vida pessoal, com seus familiares, amigos, relacionamentos amorosos, seus estudos, sua mente, sua saúde, alimentação, tudo precisa ter um pouco da sua atenção. Senão você vai sabotar essas outras funções e logo enfrentará grandes problemas em sua vida. Cuidado, porque sua energia não é infinita, é um cobertor curto que vai deixar algo de fora, o que pode te custar caro.
É como se quando você acordar, ganhasse 100 bolinhas de energia e precisa distribuir pelas suas atividades e coisas importantes. É uma tarefa difícil, e provavelmente a qual gritar mais ganha, exatamente por isso o funcionário que aparece mais é o que ganha prestígio, o filho que mais reclama ganha atenção. Não temos a capacidade de nos preocupar com aquilo que não ganha nossa atenção. Nosso corpo só grita quando está doente, mas sua atenção deveria estar nele todos os dias, seu casamento também, só percebemos que está ruim quando as coisas estão ficando muito complicadas.
É pra você ter um objetivo, mas como algo no caminho, um norte na floresta, isso não quer dizer que você precisa ir correndo, que não pode parar para ver a vista, ou até fazer um desvio, um contorno, pegar um outro caminho. Você pode descansar, pode se cuidar enquanto anda para este objetivo, mas apreciando a paisagem, colocando sua energia em tudo que é importante pra você.
Não seja escravo da ditadura da zona de conforto!
Então precisamos sair sempre da zona de conforto? Talvez, vou explicar: um desenvolvimento cognitivo e emocional não precisa ser feito correndo desenfreadamente. Eu entendo que funciona muito bem para vender um curso ou um workshop, ficar te dizendo que ficar um dia na sua zona de conforto é perder tempo de vida, que ficar confortável destrói sua evolução.
Quero dizer que precisamos de um meio termo, querer sempre melhorar e se desenvolver, aprender novos conteúdos e habilidades, se aprimorar, se aprofundar no seu autoconhecimento. Tudo que você pode fazer melhor hoje, será incrível para você daqui alguns anos, mas sem que isso te prejudique agora.
No entanto, isso não é desculpa para que você não precise fazer uma ditadura de sair da zona de conforto, e acreditar naquelas frases de autoajuda, “um dia na zona de conforto é um dia perdido” porque não é. Imagine só então aquele bebê que aprendeu a sugar o canudo, quanto tempo você irá demorar para apresentar um outro bico ou modalidade de beber água ou leite para ele?
A vida adulta é muito mais repleta de tédio, rotina e zona de conforto do que mudanças completas, até porque você precisa estruturar seu pensamento sabendo em qual hora as atividades vão mais ou menos acontecer. Se precaver do dia que o papel higiênico vai acabar, se organizar com o valor que recebe, planejar uma viagem, ter previsibilidade na vida é importante, estar sem rumo ou mudando muito irá te deixar confuso e perdido.
Percebe o quanto ter que sair dela o tempo todo impede sua tranquilidade? Impede que seu pensamento possa desacelerar? E como você pode ter uma vida tranquila sem esses componentes?
Entendo que enfrentar novos desafios é essencial e maravilhoso, mas podemos fazer isso de uma maneira respeitosa e tranquila. Você não pode acreditar que uma vida tranquila é improdutiva, isso seria um pensamento sabotador da sua qualidade de vida.
O que acontece?
Quando você entra nessa espiral de produtividade ninja seu autocuidado e sua qualidade de vida, se restringem e dessa forma impedem que você escute seu corpo e tenha paz e liberdade.
Sempre dou o exemplo da nossa avó quando eu escuto alguém chamar essa geração de mimimi, preguiçosos, querem tudo na mão, não batalham e bobagens do tipo. Será mesmo que na sociedade da nossa avó as exigências eram como na nossa? Tantos afazeres, metas, estudos, desafios, obrigações e sonhos? Muitos meios de comunicação, redes sociais? Mais cursos e aperfeiçoamentos?
Acho que ninguém nem pensava em viajar o mundo, bater 100 mil de ganhos em uma semana, fazer milhares de cursos, ter redes sociais, e sair da zona de conforto. Há 50 ou 100 anos, as pessoas trabalhavam com o que tinham, a maioria sem pretensão de ascensão ou de encontrar o propósito no trabalho, era o dinheiro pra manter a vida e a família, no máximo ter uma herança para deixar os filhos. Fora do trabalho era cuidar da casa e dos filhos se você fosse mulher e se você fosse homem falar de futebol, ou algo assim.
Somos obrigados a viver um ritmo insano de trabalho sem hora para terminar e com fins de semana atribulados, a obrigação de ter uma vida interessante e batalhadora. Te disseram que falar dos sentimentos era mimimi e bobagem, era frescura e isso tem te deixado doente e estressado. Então se desenvolva, sem que isso te tire a tranquilidade.
Você sabe o que quer fazer nos próximo 5, 10, 15, 20 anos?
A vida é uma maratona de 100 anos, esperamos, não dá para colocar um objetivo e sair correndo desenfreadamente. Você precisa de pequenos marcos para saber o caminho que te anima em continuar vivendo. Para saber por onde seguir quando a dúvida vier, quando você estiver inseguro ou sentindo que está perdendo o controle.
Quando esses objetivos surgem como uma forma artificial de se sentir no controle da vida, é pura perda de tempo, é um expectativa falsa e que te dará uma enorme frustração na linha de chegada. Você não tem e nunca terá nenhum controle sobre o caminho, podem aparecer bichos, chuvas, pedras, obras, retornos, impedimentos. Mas é tranquilizador saber de onde veio e que está seguindo em chão meio firme, e que mesmo se cair vai poder se levantar quando se sentir seguro e que depois da chuva vai ter algo bom para te alegrar.
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